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Descriminalização da maconha
Por Dra. Gianna Guiotti
Recentemente, o judiciário brasileiro trouxe o possível julgamento da questão da descriminalização da maconha.
Sempre é difícil falar sobre este tema, por toda a questão ideológica e até mesmo política que cerca o assunto. Porém, do ponto de vista técnico, há três aspectos muito importantes que envolvem a descriminalização da maconha: aspectos médicos, legais e sociais.
Como médica psiquiatra, vou compartilhar questões técnicas médicas importantes que envolvem o tema e que representam a minha opinião como especialista. Não vou falar sobre os aspectos legais e sociais, por entender que não tenho conhecimento nestas esferas.
É sempre importante diferenciar o uso recreacional do uso medicinal. Este último vem crescendo cada vez mais nos últimos anos. Com mais estudos em diversas especialidades e condições médicas e consequentemente com o crescimento da indústria de produtos de qualidade e confiáveis como matéria-prima (fundamental para nós prescritores).
Muitos estudos ainda precisam ser feitos e os profissionais que estão estudando e prescrevendo devem ter responsabilidade, crítica e, sobretudo, embasamento científico no uso da Cannabis como ferramenta terapêutica.
Focando agora no uso recreativo da maconha, é importante lembrar que as substâncias que circulam por aí atualmente têm o teor de THC bem mais alto do que há alguns anos atrás. Para quem não sabe, o THC é o componente psicoativo da Cannabis que é responsável por desencadear sintomas psicóticos em pessoas vulneráveis e prejuízos cognitivos.
Alguns usuários então podem argumentar que a possibilidade de plantar ou ter acesso a extratos e plantas sem precisar recorrer ao tráfico ilegal e produção obscura pode ser uma forma de evitar este problema, mas… como toda planta e fitoterápico, pode haver prejuízos e malefícios mesmo sendo considerado “natural”.
Um alerta importante: O uso em idade precoce sempre é prejudicial! E idade precoce à qual me refiro é a chamada fase de poda neural cerebral, e até o completo amadurecimento das funções cerebrais, que ocorre por volta dos 20 a 25 anos, a turma que está nesta faixa etária deve passar longe da maconha, aliás, de qualquer substância psicoativa (incluindo o álcool).
Isso porque o risco de prejuízo cognitivo a longo prazo, dificuldade de aprendizagem, abandono escolar, depressão… são bem evidenciados nos estudos nesta faixa etária.
Crianças e adolescentes geneticamente vulneráveis a desenvolver transtornos de humor ou transtornos psicóticos podem ter muito mais prejuízos associados ao uso precoce ou já na idade adulta.
Falando ainda de adolescentes, o uso da maconha e outras substâncias psicoativas predispõe a outros riscos associados: violência, assaltos, acidentes, estupro, gravidez precoce… isso porque o efeito dessas substâncias os deixa muito vulneráveis a essas situações.
A dependência química é uma condição multifatorial, que envolve fatores de risco e proteção genéticos e ambientais. Muitas pessoas que possuem fatores de proteção (família estruturada, condição econômica favorável, etc.), menosprezam os riscos da população vulnerável, que com certeza é a maioria em nosso país.
Infelizmente, mesmo em pessoas de baixo risco de desenvolver uma dependência química, o uso da maconha também traz prejuízos.
A questão de discutir a descriminalização, do ponto de vista médico, pode representar facilitar o acesso, e isso é um fator de risco importante!
Longe de saber tudo sobre um tema tão complexo, a ideia aqui é trazer uma reflexão técnica para o tema, favorecendo políticas públicas responsáveis para a saúde mental.
Uma reflexão que costumo propor aos pacientes é: qual o objetivo do uso da substância? Qual o papel que ela ocupa na sua vida? Qual a relação que você tem com ela?
Muitas vezes olhar para essas respostas pode ser tão difícil, que continuar a possível “fuga” em um baseado ou mais um gole acaba sendo o caminho que a mente consegue suportar no momento.
Mas acredite: pedir ajuda profissional e acreditar na capacidade de mudança faz toda a diferença!